Archive for 2014

Sobre qualquer coisa


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Ela se deixava levar como água, adaptando-se às circunstâncias conforme o fluxo natural das coisas - ainda que as curvas da correnteza por vezes consigam mudar todo o curso de um rio. Bailava em impulsos, intensidades e inconstâncias, mas até que driblava bem as oscilações de seus [des]ritmos e "porventuras". No fim, o saldo lhe parecia sempre positivo, salva por sua habilidade - meio trôpega, talvez - de se reciclar, se apegar e se desapegar sem muitas crises, segurando com os dentes os limites da racionalidade. Refletir a ciclicidade da vida em relação a todas as coisas significa, antes, autoavaliar-se, pra então compreender as fases que nos encerram e nos recriam. Confortava-lhe crer na não existência de rupturas, visto que tudo (tudo!), ainda que se distancie no tempo, se perpetua na memória afetiva. E tudo o que nos afeta vira memória afetiva. E tudo nos afeta! O cachorro, a pedagoga, a adolescência, a viagem da quinta série, os dialetos da avó, os namorados e os quase namorados. Tá, tantas voltas pra dizer que, mais uma vez, ela se via imersa em um "não-relacionamento", desses, no qual o relacionamento existe, de alguma forma, mas não se sabe bem que "forma" é essa. Algo de indefinido que movia duas pessoas em determinados momentos - alguns escancaradamente forjados - a estarem juntas. Ela não sabia como o outro entendia a situação. Talvez o outro também não soubesse, nem quisesse saber. Ela evitava qualquer tipo de conversa a respeito. Talvez o outro nem pensasse em conversar. Ela já não se contentava com as indefinições e com os "de repentes", que no início lhe eram lugar de conforto. Talvez ao outro só interessasse o conforto das indefinições. Ela não sabia até que ponto almejava mudar essa coisa, sem forma, sem definição, sem entendimento. Tampouco sabia o que esperar. Talvez fosse interessante assim, do jeitinho que acontecia... mas os meses de tantos "talvez", talvez lhe fizeram apaixonar [!] e os diálogos que não aconteceram, talvez fossem mais urgentes agora, a ausência de palavras se tornara indigesta demais e as frases mal construídas, impulsivas por acontecer, já não dormitavam mais tranquilas na garganta. A vida mandava lembrar: o autocontrole é limitado.

Mas ela também não aprendera a verbalizar sobre ela mesma, nem sabia se deveria.

Karina Morais
15/12/2014

compensatórios


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Bastava uma tatuagem. Talvez três. Um copo de cerveja. Ou dois. Muitos copos, talvez. De repente as cartas do tarot, um passe, uma leitura de mapa astral ou uma festa de santo. Talvez bastasse uma viagem longínqua. Ou uma visita aos pais, apenas. O encerramento do semestre letivo. É, talvez isso. Talvez um incenso bastasse, ou uma música. Um chocolate, de repente. Ou cinco. Talvez mudar de quarto. Ou de cidade. Talvez ter outras pessoas na sala. E no quarto. Comprar roupas novas, filmes e quadros. É isso, talvez faltasse plantas. E um cachorro. E um gato. Um orquidário inteiro. De repente era só ter tomado gengibre e mel. Ou mesmo tirar a poeira dos móveis e organizar as inutilidades. Talvez trocar o número de celular. E deixar as redes sociais. De repente respeitar o tempo de sono. E o tempo pra todas as coisas. Não ser libriana, talvez. Bastava um café. Um litro de café. Talvez bastasse mudar a lua ou ser tarde de domingo. Todos os dias.

Karina Morais
02.12.2014

Das rupturas com o tempo


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Vamos lá! Eu precisei escrever, pra consolidar alguns significados que essa imagem representa, dentre os tantos que – seguramente – ela ainda assumirá.

Nossa relação com o “tempo” adquire pesos distintos pra cada indivíduo, pra mim sempre foi conflituoso, ainda que eu saiba trabalhar bem com jogos de adaptações. Cada fase emoldura um conjunto de experiências, que costumeiramente chamamos de “ciclos”. Um ciclo é aquilo que se encerra em si mesmo e, consequentemente, habilita reinícios. Ao longo de nossas vidas o calendário é quase inevitável ao tentarmos elencar as ciclicidades que nos compõem e as fases que nos encerram. Isso é assustador! Somos indivíduos com demandas específicas acondicionados por um calendário comum. Da alfabetização ao ensino superior, da inserção no mercado de trabalho à aposentadoria. Somos, desde o nascimento, desrespeitados pelas convenções sociais de contagem do tempo! Aos 10 meses é preciso saber andar, aos 12, falar. Aos 6 anos, saber ler e escrever, aos 10, ser poliglota. Aos 18 estar na faculdade, aos 26 ter concluído o mestrado, aos 30 ser bem sucedido em todas as instâncias, ter casa, carro, cargo de chefia, um sem número de viagens internacionais, um casamento que pareça perfeito e, claro, um filho. Tudo que assegure um "status social". Enfim, construções que nos tornam performers de nós mesmos. Adotamos uma rotina – mais pela necessidade que pela escolha – na qual vivemos em função do relógio. E assim nos deixamos enraizar...

Nas ânsias e ansiedades, nossos pés correm mais rápido que o fôlego possa aguentar, e quando nos sobra fôlego, são os pés que estão cansados. A vida insiste em se apresentar desritimada e o tempo parece nunca ceder espaço às nossa fomes de mundo. Somos, o tempo todo, pela vida inteira, cobrados aceleradamente pela família, pela faculdade, pelo trabalho, pelo doentio sistema de produção no qual, arbitrariamente, estamos inseridos.  

Nos acomodamos com estes determinantes na vã ilusão de que se trata apenas de “uma questão de tempo” mas, né, o tempo passa e com ele as distâncias entre a disposição e a lassidão se estreitam. Acabamos imbuídos por aceitações que nada mais denotam que uma série de frustrações acometidas pela asfixia de uma vida acelerada e desencorajada. Por um sistema que nos pede pressa. Por um sistema que nos acovarda. Sem percebermos, robotizamo-nos. Vamos perdendo nossa empatia com o outro, nossa sensibilidade comunitária, nossa energia à luta de nossas próprias ideologias. E isso é tão cruel... desumanizamo-nos! 

Sabe, eu quis gravar tudo isso na pele! Sim, que é pra eu jamais esquecer. Pra ser a marca de uma autoavaliação e o selo de um compromisso. Pra que a mecanicidade da rotina me anule menos e engavete menos os meus projetos. Os meus projetos, os meus anseios, as minhas ideias com lugares, com cirandas, com teatro, com dança, com mato e argila, as minhas vontades de abraçar, de conhecer, de me apaixonar, e todas as palavras que me querem transbordar. É pra eu jamais me tornar todo o pessimismo que dá início ao meu texto. Eu quis gravar tudo isso na pele como a aliança que fiz comigo. Eu quero ter a minha identidade respeitada e não abraçar o que socialmente me exigem por convenção. Nego as frustrações das vidas medíocres, mesquinhas, dogmáticas.

Hoje, mais do que nunca, creio fortemente na minha capacidade de decisão e, felizmente, sigo em paz com o caminho que escolho todos os dias. Também creio no meu poder de renúncia, quando julgar necessário. O tempo que aprisiona é também o que liberta. E liberta porque é transformação, metamorfose. Tudo o que nos constrói é passível de ressignificações, o passado se reorganiza na memória e até nas intempéries há poesia. Eu quis uma imagem que abraçasse essa leitura. Uma leitura ainda – e sempre – em construção. Que é pra eu aprender a repousar minhas pressas, recolher a efemeridade da vida que se debruça nos ponteiros do relógio, e tutelá-la sob meu controle.

11/11/2014

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Passado o período onde a efervescência política borbulhava no país, é preciso juntar os restos de fôlego que ficaram espalhados pela casa, na bagunça do quarto, na negligência com a alimentação, nos afazeres acumulados... de volta à percepção da rotina, que não cessa, mas por vezes se anestesia no sangue quente, que pulsa os anseios da militância. Pequenos prazeres como assistir um filme, ler um livro de literatura, correr no parque ou se permitir um domingo ocioso, assumem outra dimensão quando se precisa aprender a lidar com o tempo cronometrado. O fôlego vai se esvaindo a ponto de querer afogar em álcool todas as urgências que transbordam do peito. Todas as vontades particulares, os sonhos ideológicos, as meias ideias, os projetos engavetados, as palavras abafadas na garganta, as não adaptações. Um dia me explicaram a diferença entre solidão e solitude e, admirando a segunda, evitei vivê-la por medo de vê-la se transformando na primeira. Confesso que estar acompanhada comigo mesma, quando na ociosidade, me soa um tanto arriscado, a julgar que a introspecção é propícia às reflexões que vão pra além da racionalidade. Talvez eu tenha aprendido bem a lidar com as emoções que se vive coletivamente - e me apraz senti-las - mas ainda receio que permitir a livre manifestação das emoções individuais possam conduzir ao desequilíbrio. Não faço, com isso, uma defesa da negação do ser, mas um exercício de autoconhecimento. Percepção das construções a que nos emolduramos, enquanto mecanismos espontâneos de "autopreservação".  Com aspas, porque com essa mania de racionalidade, talvez um dia nem o eco responda mais.

Karina Morais
02.11.2014

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Bailando em devaneios; desatando remotos grilhões; oscilando equilíbrio; dissimulando autocontrole; traindo as próprias convicções; atropelando sensatez; algemando-se a uma ideia de liberdade; procrastinando verbalizações. Constância de inconstâncias; inconstância nas constâncias. A palavra que adormece na insegurança

...e nas reticências. 


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Acho que vou comprar água plástica...

Sobre rotina, Mogi e pessoas


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            Cada vez que venho pra Mogi – cidade onde nasci e estive até os 18 – me percebo confortada por uma sensação de alívio que ainda não sei bem explicar, visto que voltar a residir aqui não está nas minhas pretensões. Lembro que, quando morava em Mogi, procurava todos os pretextos pra sair, talvez o alívio de hoje seja simplesmente por saber que, se por ventura (ou desventura) um dia mudar de idéia, ainda será possível retornar.
            Eu me moldei a um estilo de vida intolerante à idéia de rotina, mas estreitamente enraizada nela. Sempre tive o tempo cronometrado e uma avalanche de compromissos e responsabilidades desde muito pequena, contudo, não reclamo, as escolhas sempre foram minhas e, se foi e é assim, é porque eu conduzi minha vida dessa forma. Quando digo “intolerância à rotina” é porque me convenci que eu só suportaria minhas próprias escolhas se houvesse a possibilidade de fugir delas. Daí que acampo desde os 15 anos, quando não posso acampar, corro pro mato mesmo assim. É minha válvula de escape quando o “tempo fecha” e a rotina sufoca. O frustrante é perceber que essas “rotas alternativas” dependeriam cada vez menos das minhas vontades e até elas estariam sujeitas às permissões de calendário e relógio. O que eu não tinha noção é que, com 22, eu me depararia com condicionantes que aos 15 eu não me deparava.
            Voltando ao papo de Mogi, sabe, é estranho a relação que tenho [re]construído com essa cidade. O que sinto quando retorno obviamente não é o mesmo que eu sentia a um ano atrás, menos ainda a quatro. O olhar se ressignifica, sei disso, mas é curioso perceber essas transformações na forma de se ver e entender as coisas. Tenho vindo com cada vez menos frequência, perdi o vínculo com a maior parte das pessoas que conhecia aqui – e isso inclui bons amigos e relações afetivas – ainda tenho reencontros legais, com gente que estimo, ainda frequento algumas festas e bares de vez em quando, mas tenho atendido pouco as mensagens de “vamos combinar algo?”. Longe de ser por não querer, ora preciso escolher entre rever amigos ou estar com a família, ora entre estudar ou descansar. Confesso que a procrastinação também tem sido uma constante, ainda que o coração peça o contrário. Neste último caso, não sei ao certo a que justificativas recorrer – se é que existem – mas tenho encontrado a resposta nos receios. Talvez me desestimule manter elos que já estão esvaziados, não por culpa minha ou deles, mas por conta do tempo. Talvez seja medo, por saber (e aceitar) que a tendência pra essas e todas as pessoas que conhecemos ao longo da vida seja mesmo o afastamento... e as relações se limitem a um “status online” nas redes sociais. Pode soar pessimista, rancoroso ou qualquer coisa do tipo, mas juro que digo com o coração calmo e a mente quase tranquila. Eu realmente já não espero a perpetuação dos vínculos com absolutamente ninguém além de alguns poucos familiares. Algumas pessoas serão sempre lembradas com carinho, é triste, mas o distanciamento é inerente ao sistema em que estamos inseridos – e habituados - e eu não tenho nenhuma sugestão pra reverter isso.
          Talvez a aceitação disso seja um erro. Mas tenho me habituado a trocar as reflexões pelo sono, quando o sono já me é inevitável.
            Diante daqueles que gosto e que compõem os meus círculos sociais no tempo presente, até me esforço pela manutenção das relações, valorizo demais o simples prazer da companhia, porque em todas elas enxergo pessoas ausentes num futuro não tão distante. O que faço, e talvez elas também, seja tentar prolongar esse meio tempo em que podemos desfrutar uns dos outros. Às vezes brinco, dizendo que eu me casaria com todos os meus amigos pra, de repente, ter a “garantia” de que os laços perdurariam pra além dessa ou daquela fase e que, companheiros de velhice, pudéssemos falar e rir de todas elas.  
Karina Morais
07/09/2014


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E eu me vou levando conferindo sentido às coisas
Me compondo e me vestindo de mundo, não raro irreal
Me despindo do que nunca me foi veste
Eu me vou levando embriagada de ausências, músicas, fotografias...

Há um milhão de quilômetros no meu estômago
E uma via de mão dupla na garganta.

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Amo e odeio a cidade, concomitantemente, o tempo todo. Tenho me percebido num estilo de vida que gosto, mas que questiono. Parece incessante a busca pelo preenchimento do tempo. Não sei o que é simplesmente "estar", sem essa coisa frenética de me perder em calendário, relógio e continuar achando que ainda é pouco, que eu poderia e deveria fazer mais. Depois usar tudo isso de pretexto pra me transbordar em alguns outros excessos. A gente se adapta à caoticidade e adota um estilo de vida tão caótico quanto. Na real, também não sei se tô afim de uma outra postura frente a isso. E não sei se é por gostar que seja assim, ou se é por simplesmente não estar disposta a encarar mais uma luta de readequação. Tudo o que faço me é claro de sentido e razões. Tudo! Em contrapartida, nem sempre sei elencar prioridades, não sei dosar o dispêndio de energia pra isso ou pr'aquilo. Essa coisa de "deixar tudo fluir" tem me enjoado, preciso saber pra onde corre o fluxo da maré e o que eu espero da correnteza. Tenho considerável dificuldade em tomar decisões, mas sou verdadeiramente segura comigo mesma e isso me faz crer que devo ter tudo sob controle, em absoluto, que é pra não titubear. Exceto pra um lado místico que ainda procuro conhecer, abstração definitivamente não é meu forte. Prefiro a praticidade e objetividade das coisas. Indefinições me cansam, em todos os aspectos, embora reconheça que por vezes seja eu a procrastinar as definições. Parece confuso, é confuso pra mim também. E assim seguimos bailando nossas próprias contradições, amores e desamores, com a cidade, com os sujeitos que nos compõem, com o tempo.

Karina Morais
26/08/2014


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A  gente se limita pra se poupar, e se poupando se sabota.
Malditas minúcias que se sufocam nos receios e minguam antes de experienciar a lua cheia.

"Eu gosto mesmo é de vida real"


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Não tenho tempo pra mundo imaginário. Durmo tarde mas não sofro de insônia e nunca sofri, os dias são sempre corridos e cheios de gente, não sobra muito espaço pra flertar com abstrações. Parece clichê mas prezo mesmo pelo aqui, pelo agora, por pessoas e acontecimentos reais, pela clareza e praticidade das coisas. Só trabalho com suposições em trabalhos acadêmicos. Minhas saudades são muitas e intensas, mas facilmente controláveis. Digo o mesmo às preocupações. Acho que, de todos os aspectos da vida, me sensibilizo mais com crianças, idosos e cachorros. Não tenho muito dom pra construir novelas mentais e ainda menos pra suprir expectativas pras novelas que o mundo quer que nos encaixemos. O que tiver que acontecer, acontece e ponto. Há madrugadas em que eu até queria conversar mais com os lençóis antes de adormecer, pra conseguir visualizar certos pensamentos bonitos que por vezes me acometem de surpresa. Mas meu travesseiro é um convite ao sono e antes que os quadros se formem eu já me anoiteci.

Karina Morais
07/2014

1ª Pessoa do Singular


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Desde que me reconheci enquanto sujeito social que – como todos os sujeitos sociais – porta capacidade de articulação política, busco pensar em como se projeta cada uma de minhas ações e perceber como são construídas as opiniões, minhas e daqueles que me cercam. Desde que me reconheci enquanto sujeito político-social, minha vida é constante desconstrução e reconstrução e tô o tempo todo me policiando quanto a esses nivelamentos. A diferença é que hoje eu sou segura o suficiente pra conseguir afirmar determinados posicionamentos que em um outro momento eu recearia falar, e a não ignorar aspectos da sociedade que talvez eu ignorasse por escolher ignorar. Eu respiro e vivo em função de uma identidade ideológica seguramente definida que, não obstante, frequentemente se coloca em conflito com tudo o que um dia me ensinaram e me doutrinaram a acreditar (por também se tratar das ideologias que perseguiam).

Repare que eu não tô falando apenas de objetivos. Objetivos eu os tenho (e me conforta tê-los) mas, aqui, digo mesmo é de ideologias! Tem noção do quanto isso é forte, meu caro? São elas que me norteiam e são a elas que eu me agarro quando a fé é pouca. A fé em mim mesma, saca? São elas que não me deixam renunciar tanta coisa que me faria oscilar e são a elas que canalizo toda energia quando a fonte parece secar e a apatia toma conta de tantas outras questões da vida em sociedade. Confesso que, dado o sistema em que estamos inseridos, isso é um bocado angustiante: falta braço e tempo. A gente queria mesmo é abraçar o mundo! Fôlego tem, e perna tem também (ainda que por vezes nos convençamos do contrário)! Sabe, só queria registrar que tenho me sentido bastante empolgada com a atuação política. Não é lá nenhuma novidade, mas eu tô mesmo num momento enérgico pra isso. Tenho me deparado com ideias novas e com pessoas lindas – de coração e de luta – que se somam no caminho.

Muito tem me estimulado levantar a bandeira pelo plebiscito popular a favor de uma reforma do sistema político. Muito me estimula integrar um Coletivo que confio e que ajudo a construir. Muito me estimula estarmos trabalhando – dentro desse mesmo Coletivo – junto às escolas públicas e debater política com uma garotada que talvez jamais se interessasse por isso. Muito me estimula estar na luta feminista e encontrar mulheres maravilhosas dispostas a levar a frente ideias de ações em prol da igualdade de gênero em todas as instâncias. Sabe, minhas fomes político ideológicas crescem vertiginosamente e se mostram insaciáveis. Eu gosto disso. Na real, na real, eu só precisava escrever que eu tô feliz por estar incentivada. Não com as conjunturas atuais, mas por me sentir útil àquilo que persigo, sem precisar de holofotes. Eu preciso contar que eu tô estimulada, que é pra eu lembrar depois, naqueles momentos que a gente tem vontade de jogar tudo pro alto e vestir logo o discurso derrotista. Eu não nego as minhas inconstâncias e eu tenho ciência que o otimismo de hoje pode não ser o de amanhã. Isso me dá medo às vezes, mas política é quebrar a cara também, porque o mundo é torto e a gente precisa aprender a ter jogo de cintura, que é pra não enlouquecer... mais.

Karina Morais
12/08/2014


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Engavetar curtas-metragens, guardar as emergências no estômago.

...E como pega!


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"São Paulo é como um mundo torto", escrevi. "O que isso significa?", perguntaram-me. "Que a caminhada é cheia de desníveis" - respondi - "Em qualquer lugar é, mas aqui o bicho pega".

...E como pega! Pega quando a fuligem do ar lhe faz tossir; pega quando o sorriso de um desconhecido te surpreende, tamanha é a indiferença dos transeuntes; pega todas as vezes que você tem que engolir uma falsa ideia de "democracia", essa, que é toda manchada por um legado ditatorial; pega todas as vezes que você fala ou visita uma ocupação e sai dali escutando rotularem aquela gente como "parasitária"; pega toda vez que um companheiro que questiona o sistema tem seu nome marcado num processo criminal; pega toda vez que pessoas próximas cospem em você todo o discurso midiático pra deslegitimar a penosa luta dos movimentos sociais que você tanto apoia. Pega toda vez que você não consegue dormir por conta do barulho dos carros; pega toda vez que você dorme sonhando com o barulho das buzinas. Pega toda vez que um "fiu-fiu" te faz lembrar o quanto essa sociedade patriarcal é escrota com as mulheres; pega toda vez que você lê a manchete de mais um gay sendo espancado, de mais umx trans* sendo mortx, de mais uma lésbica sendo estuprada por "corretivo social", de mais uma dona de casa sendo violentada pelo marido, de mais um negro levando porrada da polícia. Pega todas as vezes que o tempo no transporte público lhe faz cansar mais que seu trabalho e que seu trabalho lhe lembra todos os dias o quanto o trabalhador é descartável. Pega todas as vezes que os assentos preferenciais não são cedidos àqueles que mais precisam deles; pega todas as vezes que você percebe se robotizando pelos afazeres universitários e todo o resto virando secundário; pega todas as vezes que você se dá conta de estar inserido em um lugar cuja maioria são pessoas aceleradas e passageiras, acostumadas com a pressa e com a superficialidade das coisas. Pega toda vez que você precisa renunciar algo que lhe apraz por pura falta de tempo; pega toda vez que se anuncia um fenômeno celeste observável a olho nu, mas que a poluição não lhe permite visualizar nem mesmo se toda a iluminação urbana estivesse apagada; pega todas as vezes que se naturaliza pessoas em situação de rua, como se elas fossem partes integrantes da paisagem e, portanto, comuns aos nossos olhos; pega toda vez que tenho saudade de casa, pega quando vejo famílias perdendo as suas. Pega todas as vezes que eu tenho vontade de dizer pra todo mundo - ou pra alguém - o quanto tudo isso pega (e como pega, bicho!), mas que acabo "deixando pra lá" porque, além de tudo, eu tenho preguiça e não tenho termômetro pra medir a paciência do ouvinte.

Karina Morais
03/07/2014

Temporalidades


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A gente entende temporalidades em função do sentir que, por sua vez, desobedece os marcadores do relógio e do calendário, cujos pesares são determinados por pura convenção ocidental, ignorando as sensações do corpo e da mente. O calendário acaba ditando quem é o amigo e quem é o desconhecido, e ditando qual a quantidade de tempo necessária pra que a distância entre ambos se anulem e o segundo possa, então, ser considerado o primeiro sem o risco de parecer precoce. Eu digo "que vá a merda!" essa babaquisse de racionalizar o espaço de tempo pra que uma sensação se torne outra sensação e uma forma de enxergar se torne outra forma de enxergar. Eu lá quero ser cautelosa? Quero nada! Quero mais é me jogar nesse mundão e dizer "venha", que aventuras e desventuras também me completam!

Sempre me atentei ao tempo que julgava conveniente ao proceder de cada agir, acho mesmo que tou envelhecendo com doses de adrenalina que alimentam a falta de paciência pra qualquer vestígio de inação. Tou achando ruim? Que nada! Tou me despindo mais de certas formalidades que só atrasam aqueles que querem mas que temem. Querem sei lá o que, temem sei lá o que... esse formigamento de vontades que a gente nem sabe direito definir, fome de cores vivas talvez. Tão racionando sentimento, se poupam tanto que se poupam demais. Tou de cara prá vida! Tou caminhando sem muitos alardes pra "tragédias" ou não acertos.

As minhas responsabilidades? Com sono e cansadas, mas vão muito bem, obrigada. Prossigamos vivendo de inteiros, que a gente se rasga mas se resgata. E eu continuo atropelando minhas próprias palavras, "ok", ansiedade é mesmo o transbordar do presente que insiste em se embebedar de futuro. Se é pra ser, aceito a ressaca! Coisa estranha, que aperreia tudo aqui dentro, com vários anseios da alma. Bom, não só da alma. Mas eu aceito a condição, que é pra tudo ser de verdade, ainda que verdades sejam por vezes momentâneas... pq cê sabe que ora ou outra eu sou assim também, né? Ou é agora, ou pode nunca ser, e o nome desse bicho é inconstância. Sei lá, parece que crio asas mergulhando.
Karina Morais
14/05/2014

:)


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E o que eu queria mesmo era ver a pele envelhecer se enrugando na queda d'uma cachoeira. Fotografar algumas criações malucas (de autoria própria, dessas que ninguém decifra mas acha graça), talvez com galhos secos, papel e urucum e, por falta do que chamar, diriam se tratar de "arte contemporânea". A gente poderia, sei lá, inventar e reinventar o ócio, ressignificando o tempo a nossa maneira e bel prazer. Poderíamos nos despir do relógio, celular, calendário (e de tudo mais que fosse mania ocidental), não ter hora pra ir, nem prazos pra voltar. Experimentar sinestesias. E, se por ventura um dia nossas aventuras perdessem o motivo de ser, que livres aceitássemos sua ciclicidade, entendendo que nossos propósitos são também nossos próprios despropósitos.

Karina Morais
06/05/2014

...about love and handcuffs


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De certo que o amor é uma coisa boa. Mas igualmente grande a sua beleza e deslumbre é também sua periculosidade. Os distraídos afirmam-se no amor com atas e vendas, inseridos em uma lógica que faz deste mesmo amor uma ferramenta de manutenção das relações de poder. Beleza, deslumbre e perigo. O amor é, por vezes, o estado de espírito que internaliza a condição de opressão.

Karina Morais
23/04/2014

moon


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A pérola que hoje, rubra, enfeita a abóboda celeste, se reveste em manto de neblina, envolta em turvo véu, do céu que cobre São Paulo. Quisera eu que meus poetas do interior, com os pulmões mais leves que o meu, soubessem descrevê-la tão fielmente quanto meus olhos fariam, longe do concreto e do asfalto...

15/04/2014

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