Sobre qualquer coisa


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Ela se deixava levar como água, adaptando-se às circunstâncias conforme o fluxo natural das coisas - ainda que as curvas da correnteza por vezes consigam mudar todo o curso de um rio. Bailava em impulsos, intensidades e inconstâncias, mas até que driblava bem as oscilações de seus [des]ritmos e "porventuras". No fim, o saldo lhe parecia sempre positivo, salva por sua habilidade - meio trôpega, talvez - de se reciclar, se apegar e se desapegar sem muitas crises, segurando com os dentes os limites da racionalidade. Refletir a ciclicidade da vida em relação a todas as coisas significa, antes, autoavaliar-se, pra então compreender as fases que nos encerram e nos recriam. Confortava-lhe crer na não existência de rupturas, visto que tudo (tudo!), ainda que se distancie no tempo, se perpetua na memória afetiva. E tudo o que nos afeta vira memória afetiva. E tudo nos afeta! O cachorro, a pedagoga, a adolescência, a viagem da quinta série, os dialetos da avó, os namorados e os quase namorados. Tá, tantas voltas pra dizer que, mais uma vez, ela se via imersa em um "não-relacionamento", desses, no qual o relacionamento existe, de alguma forma, mas não se sabe bem que "forma" é essa. Algo de indefinido que movia duas pessoas em determinados momentos - alguns escancaradamente forjados - a estarem juntas. Ela não sabia como o outro entendia a situação. Talvez o outro também não soubesse, nem quisesse saber. Ela evitava qualquer tipo de conversa a respeito. Talvez o outro nem pensasse em conversar. Ela já não se contentava com as indefinições e com os "de repentes", que no início lhe eram lugar de conforto. Talvez ao outro só interessasse o conforto das indefinições. Ela não sabia até que ponto almejava mudar essa coisa, sem forma, sem definição, sem entendimento. Tampouco sabia o que esperar. Talvez fosse interessante assim, do jeitinho que acontecia... mas os meses de tantos "talvez", talvez lhe fizeram apaixonar [!] e os diálogos que não aconteceram, talvez fossem mais urgentes agora, a ausência de palavras se tornara indigesta demais e as frases mal construídas, impulsivas por acontecer, já não dormitavam mais tranquilas na garganta. A vida mandava lembrar: o autocontrole é limitado.

Mas ela também não aprendera a verbalizar sobre ela mesma, nem sabia se deveria.

Karina Morais
15/12/2014

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