Ressaca


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Ao acordar, por horas procrastinou levantar da cama, evitando deparar-se consigo mesmo. Não queria recordar de seu protagonismo das noites anteriores. Sentia asco da própria transpiração, que exalava álcool barato, e do gosto amargo que ficara na saliva. Sentia-se feito personagem de Augusto dos Anjos. Teria permanecido o resto do dia ali, feito casulo, embriagada de ressaca moral por, mais uma vez, ter traído a si! Teria permanecido, não fosse a respiração oscilante, ofegante por ar. Não fosse a câimbra nas pernas e as mãos dormentes. Não fosse a claustrofobia que lhe sufocava em pesares. Não fosse o celular caído em qualquer lugar do quarto, notificando incessantemente que os companheiros das noites anteriores ainda existiam. E ainda lhe queriam. E queriam ainda mais. E ligam no dia seguinte! Quis lançar o celular pela janela. Quis dizer ao pobre rapaz que a noite foi um erro e que o cheiro dele que ficara na pele lhe revirava o estômago. Perfume diabético, minuciosamente escolhido pra agradar as presas. As presas. E agradava, mas grudava-lhe na mente feito vinheta política do horário comercial. Perturbardor. O pobre rapaz? Coitadinho... antes desprezível fosse! Desprezível era ela, que o culpara por não ter percebido suas faces de atriz. Ela sabotou a si mesma, forjando reciprocidade.

02/2015

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