Archive for dezembro 2014

Sobre qualquer coisa


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Ela se deixava levar como água, adaptando-se às circunstâncias conforme o fluxo natural das coisas - ainda que as curvas da correnteza por vezes consigam mudar todo o curso de um rio. Bailava em impulsos, intensidades e inconstâncias, mas até que driblava bem as oscilações de seus [des]ritmos e "porventuras". No fim, o saldo lhe parecia sempre positivo, salva por sua habilidade - meio trôpega, talvez - de se reciclar, se apegar e se desapegar sem muitas crises, segurando com os dentes os limites da racionalidade. Refletir a ciclicidade da vida em relação a todas as coisas significa, antes, autoavaliar-se, pra então compreender as fases que nos encerram e nos recriam. Confortava-lhe crer na não existência de rupturas, visto que tudo (tudo!), ainda que se distancie no tempo, se perpetua na memória afetiva. E tudo o que nos afeta vira memória afetiva. E tudo nos afeta! O cachorro, a pedagoga, a adolescência, a viagem da quinta série, os dialetos da avó, os namorados e os quase namorados. Tá, tantas voltas pra dizer que, mais uma vez, ela se via imersa em um "não-relacionamento", desses, no qual o relacionamento existe, de alguma forma, mas não se sabe bem que "forma" é essa. Algo de indefinido que movia duas pessoas em determinados momentos - alguns escancaradamente forjados - a estarem juntas. Ela não sabia como o outro entendia a situação. Talvez o outro também não soubesse, nem quisesse saber. Ela evitava qualquer tipo de conversa a respeito. Talvez o outro nem pensasse em conversar. Ela já não se contentava com as indefinições e com os "de repentes", que no início lhe eram lugar de conforto. Talvez ao outro só interessasse o conforto das indefinições. Ela não sabia até que ponto almejava mudar essa coisa, sem forma, sem definição, sem entendimento. Tampouco sabia o que esperar. Talvez fosse interessante assim, do jeitinho que acontecia... mas os meses de tantos "talvez", talvez lhe fizeram apaixonar [!] e os diálogos que não aconteceram, talvez fossem mais urgentes agora, a ausência de palavras se tornara indigesta demais e as frases mal construídas, impulsivas por acontecer, já não dormitavam mais tranquilas na garganta. A vida mandava lembrar: o autocontrole é limitado.

Mas ela também não aprendera a verbalizar sobre ela mesma, nem sabia se deveria.

Karina Morais
15/12/2014

compensatórios


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Bastava uma tatuagem. Talvez três. Um copo de cerveja. Ou dois. Muitos copos, talvez. De repente as cartas do tarot, um passe, uma leitura de mapa astral ou uma festa de santo. Talvez bastasse uma viagem longínqua. Ou uma visita aos pais, apenas. O encerramento do semestre letivo. É, talvez isso. Talvez um incenso bastasse, ou uma música. Um chocolate, de repente. Ou cinco. Talvez mudar de quarto. Ou de cidade. Talvez ter outras pessoas na sala. E no quarto. Comprar roupas novas, filmes e quadros. É isso, talvez faltasse plantas. E um cachorro. E um gato. Um orquidário inteiro. De repente era só ter tomado gengibre e mel. Ou mesmo tirar a poeira dos móveis e organizar as inutilidades. Talvez trocar o número de celular. E deixar as redes sociais. De repente respeitar o tempo de sono. E o tempo pra todas as coisas. Não ser libriana, talvez. Bastava um café. Um litro de café. Talvez bastasse mudar a lua ou ser tarde de domingo. Todos os dias.

Karina Morais
02.12.2014

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