Archive for 2013

Forma[to]


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Sempre que ouço "me formei em tal escola/universidade" ou "sou formado em x coisa", minha mente instantaneamente parafraseia: "tomei o formato de tal escola/universidade", "tenho o formato de um x coisa", "concluí um processo que me dá um formato específico". Daí que fico imaginando, pra cada pessoa, qual teria sido o molde que a construiu. Há algum tempo a expressão me soa com certa estranheza e me remete a outras que me causam repulsa ainda maior: mecanização/padronização/enquadramento. As instituições educacionais regulares, básicas e superiores, nos acondicionam a determinados métodos que nos tecnicizam compulsoriamente. Mecanizam o pensar, o saber e o criar. Desde o fundamental II, além da oportunidade de estudar, eu tive a oportunidade de escolher onde queria estudar. No terceiro médio, uma prova de vestibular - e só ela - me considerou "lapidada" o suficiente para adentrar um campus universitário. A escolha do [per]curso também foi minha, a escolha que eu continuo fazendo todos os dias. Mas nunca me perguntaram o que eu achava (e acho) dessa coisa de sermos feito água, que se adapta conforme o recipiente ou que segue unidirecionalmente a correnteza. Nunca me perguntaram o que eu acho dessa "forma" do aprender e do desenvolver. Essa loucura de reprodução metodológica, sistemática e aprendizagem seriada. Um formato de ensino que me dará um formato de profissional. Qual é a forma do engenheiro? Do historiador? Do biólogo? Do dentista? Do filósofo? De que molde saímos nós do terceiro médio? E da universidade? E se eu achar que isso tudo tá errado e não seguir as regras limitantes que me impõem, serei eu um "sem formato"? "Form-ação", seria a forma da ação? Dizem por aí que os não diplomados são aqueles sem "[in] formação". Que coisa... Algumas das pessoas que eu mais senti orgulho na vida, nunca souberam o que é um Currículo Lattes. Que sociedade equivocada a nossa, não?
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Karina Moraes
13/11/2013

SP


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De certo que São Paulo é sedutoramente atraente. O cenário é de contrastes e o palco pede luta. As ruas se sufocam de prédios, luzes e autos, o cheiro de chuva rompe o concreto, o cal, o caos e o asfalto, lava os semáforos e se desfaz em reminiscências - pé descalço, "betes", queimada, rouba-bandeira, interior. São Paulo por vezes se mostra impenetrável, dormitando em teimosia, mas talvez seja justamente sua caoticidade o que mais se assemelha com nossas inconstâncias e urgências. A gente vai aprendendo a se gostar, nós da cidade, e a cidade de nós. Há uma crescente nesse lance de pertencimento: a gente se reconhece no corpo social, mas nem sempre esse corpo social se reconhece em nós - tantas são as distâncias. E, assim nos percebendo e dando de cara com os conflitos, anseamos fôlego: jamais trair a responsabilidade de nos aventurarmos nessa ousada vontade de vermos crescerem juntos: o individuo na sociedade, e a sociedade no indivíduo. Quer saber? São Paulo é mesmo um grandalhão carente de abraço!

Karina Morais
(dos escritos não concluídos do caderninho de 2011)

Vizin.ar


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Mal vejo a cara do meu vizinho de apartamento e, como que naturalizando a bolha, por vezes me deixo esquecer que as fronteiras estão pr'além das paredes. A gente mais percebe o relógio que o pulso, e mais a camisa que a pele. A flor é ainda mais bela, tão porque, menos raro é o asfalto. Os que caem viram estatísticas, e estatísticas são números sem sobrenomes. A gente fica meio que assim, engolindo fogo cruzado e se tatuando de contrastes. A gente se veste de poesia, pra cobrir as vestes dos grilhões sociais. A gente se transveste de amor e caos, só pra parecer que a vida tá normal. A gente luta, labuta, por nós e por um outro, que também somos nós. E dorme com peso na consciência. Pelo tempo que se perde dormindo.

Karina Morais
08/10/2013

Menina


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Quando pequena meu pai dizia que eu tinha olhos de jabuticaba. Pra minha avó eu era sua "indiazinha menina nova". Dias desses ganhei uma pedra azul em um colar, de um amigo que apelidava-me Pocahontas. Sempre gostei de perceber carinhos nas descrições. A cor da minha pele foi manchada com o sangue da escravidão, mas a tua foi tão colonizada quanto a minha. O meu gênero é marcado por algemas morais, mas elas lhe aprisionam tanto quanto eu. Sou mulher, com lábios e nariz mais ou menos finos em uma pele mais ou menos preta, com o cabelo mais ou menos liso, com o corpo mais ou menos magro, mais ou menos gordo, de uma família mais ou menos classe média. Daí você me respeita mais ou menos e faz eu acreditar que o "mais ou menos", pra mim que sou mulher, é muito.

Karina Moraes
13/09/2013

Penas tuas


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Duvida não de mim...
Que no âmago do incerto repousa o inaudito.
E tanto mais, nas entrelinhas até do que não foi dito.
Se queres jogar, desperta-te com meu clarim
Há muitas existências no que silencio.
E mais ainda no eco da minha respiração
...e dos meus suspiros.
Se te contasses tudo, ai ai de mim...
Mandarias definitivamente que eu me fosse,
Ou me tomarias como eterna confidente.
Achas que abuso?
Mal sabes como te privam tuas limitações
Mal sabes as delícias escondidas no vermelho da maçã
...e do batom.
Outrora quisera eu relatar-te minhas desventuras
Hoje repousam elas em gavetas empoeiradas
Os desequilíbrios de antanho, hoje bailam em fomes de novidades
O transcendental habita também Afrodite e Dionísio
Feliz de ti romper com teus serafins e moralidades
Hoje minhas insônias repousam em vinho tinto.
E se meus impulsos tiver cor... vestir-se-á em rubro manto.

Karina Moraes
25/09/2013

11 de setembro de 2013


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04h58 da manhã. A lua vai se despijamando e devagarzinho se encobrindo em vestes de sol. A lâmpada da minha sala vai perdendo o sentido de continuar acesa. Os meus óculos? Ahhh... estes acompanharam toda a transição!



Karina Moraes

11/09/2013

...


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Na ânsias e ansiosidades, seus pés corriam mais rápido que seu fôlego pudesse aguentar, e quando lhe sobrava fôlego, eram os pés que estavam cansados. A vida insistia em apresentar-se desritimada e o tempo parecia nunca ceder espaço às suas fomes de mundo. Ainda não aprendera repousar suas pressas. Redesenhava seus próprios retratos, moldando-se diante dos paralelepípedos das novas esquinas. Na mente, um liquidificador. Quis recolher a vida com as mãos e tutelá-la sob seu controle.

Karina Moraes
25/05/2013

Que te convenças...


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Converso com tua sombra, que meu pensamento redesenha, mas ela não me pertence, nem eu a ela. Sem que saibas, teus vultos e eu tornamo-nos assim, bons colegas que ri insanidades de outrora. Mas engana-te dizeres de amor ou fixação: se mantenho tua imagem em minha companhia, é só mesmo pela beleza de poetizar.

Karina Moraes
17/05/2013

...!


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Quis escrever sobre. Mas o que estimulava a escrever era também o que abafava as palavras em si mesmas. Guardou as emergências no estômago e os desabafos na garganta.

Karina Moraes
02.04.2013

Tempo, eu, tempo, tempo


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Ela quis escrever qualquer coisa que definisse o papel do "eu" no tempo. Não sabia bem se era ela que mudava o tempo, ou se era o tempo que mudava ela. Sabia que existia alguma relação muito estreita nisso tudo, mas estava mesmo é de saco cheio dessas reflexões com as ordens das palavras. Ou com preguiça, talvez. Fotografou a luz e correu sob o chá. Em suas fotografias a luz virou uma estação de trem e o chá se transformara num viaduto. E nesse jogo de alusões, o lúdico logo se transfigurava em asfalto e concreto. De cima de um arranha-céu, teve exatos cinco minutos pra cair na real: faltava crescer ainda um pouquinho mais pra que o céu se deixasse arranhar. Tentou com os olhos destampar o Tamanduateí e pintar as lavadeiras da Várzea do Carmo. Tamanha pretensão, o cair da tarde levara as lavadeiras embora. A Várzea já não estava lá e o Tamanduateí também não. Nas fotografias? O saudosismo. E a força do tempo com o próprio tempo. 18h15. Onde estava mesmo o bilhete do metrô?!
                  Karina Moraes
31/03/2013

Ritos de Passagem


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Medo de voltar pra casa
Medo de sair de casa
E encontrar tudo no mesmo lugar

Medo de abrir os olhos
Medo de fechar os olhos
E enxergar o que não quer nem imaginar

Quanto tempo faz? Uma semana atrás?
No topo do mundo, na crista da onda
Numa euforia de se estranhar
Pouco tempo faz! Uma semana atrás!
No topo do mundo, na crista da onda
Um mergulho em busca de ar

Tudo mudou, ela acordou
Estava onde nunca quis estar

Livre para ir e vir
Para ficar onde está
É outro modo de ver a queda

Livre como sempre quis
Livre como nunca imaginou
Só outro modo de ver o muro desabar

Tudo mudou, ela acordou
Estava onde nunca quis estar
Ela mudou, tudo acabou
Ela está pronta (?) pra recomeçar


(Engenheiros do Hawaíí)

23/03/2013

Diário de carnaval


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Mais um destino pra minha pequena coleção de refúgios. Eu coleciono trilhas e estradas. Guardo comigo um pequeno acervo de caminhos. Espaços que muitos visitaram, mas só eu soube resignificar da forma que me convence. Ninguém mais além de mim conhece a imensidão da plenitude que meu espírito tem fome. Muitas fomes me aguçam: de momentos, de paladares, de perfumes, de lugares, de pessoas, de prazeres não denominados. A minha visão enxerga através de sensações, enquanto meus olhos abraçam cores e formatos. O meu estômago cede espaço a um turbilhão de borboletas. Acompanham-me sorrisos gratuitos por segundo. E isso tudo só me apraz lembrar por saber que se trata daquela gostosa saudade pedindo por mais.

Karina Moraes
16/02/2013

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