Sobre rotina, Mogi e pessoas


.

            Cada vez que venho pra Mogi – cidade onde nasci e estive até os 18 – me percebo confortada por uma sensação de alívio que ainda não sei bem explicar, visto que voltar a residir aqui não está nas minhas pretensões. Lembro que, quando morava em Mogi, procurava todos os pretextos pra sair, talvez o alívio de hoje seja simplesmente por saber que, se por ventura (ou desventura) um dia mudar de idéia, ainda será possível retornar.
            Eu me moldei a um estilo de vida intolerante à idéia de rotina, mas estreitamente enraizada nela. Sempre tive o tempo cronometrado e uma avalanche de compromissos e responsabilidades desde muito pequena, contudo, não reclamo, as escolhas sempre foram minhas e, se foi e é assim, é porque eu conduzi minha vida dessa forma. Quando digo “intolerância à rotina” é porque me convenci que eu só suportaria minhas próprias escolhas se houvesse a possibilidade de fugir delas. Daí que acampo desde os 15 anos, quando não posso acampar, corro pro mato mesmo assim. É minha válvula de escape quando o “tempo fecha” e a rotina sufoca. O frustrante é perceber que essas “rotas alternativas” dependeriam cada vez menos das minhas vontades e até elas estariam sujeitas às permissões de calendário e relógio. O que eu não tinha noção é que, com 22, eu me depararia com condicionantes que aos 15 eu não me deparava.
            Voltando ao papo de Mogi, sabe, é estranho a relação que tenho [re]construído com essa cidade. O que sinto quando retorno obviamente não é o mesmo que eu sentia a um ano atrás, menos ainda a quatro. O olhar se ressignifica, sei disso, mas é curioso perceber essas transformações na forma de se ver e entender as coisas. Tenho vindo com cada vez menos frequência, perdi o vínculo com a maior parte das pessoas que conhecia aqui – e isso inclui bons amigos e relações afetivas – ainda tenho reencontros legais, com gente que estimo, ainda frequento algumas festas e bares de vez em quando, mas tenho atendido pouco as mensagens de “vamos combinar algo?”. Longe de ser por não querer, ora preciso escolher entre rever amigos ou estar com a família, ora entre estudar ou descansar. Confesso que a procrastinação também tem sido uma constante, ainda que o coração peça o contrário. Neste último caso, não sei ao certo a que justificativas recorrer – se é que existem – mas tenho encontrado a resposta nos receios. Talvez me desestimule manter elos que já estão esvaziados, não por culpa minha ou deles, mas por conta do tempo. Talvez seja medo, por saber (e aceitar) que a tendência pra essas e todas as pessoas que conhecemos ao longo da vida seja mesmo o afastamento... e as relações se limitem a um “status online” nas redes sociais. Pode soar pessimista, rancoroso ou qualquer coisa do tipo, mas juro que digo com o coração calmo e a mente quase tranquila. Eu realmente já não espero a perpetuação dos vínculos com absolutamente ninguém além de alguns poucos familiares. Algumas pessoas serão sempre lembradas com carinho, é triste, mas o distanciamento é inerente ao sistema em que estamos inseridos – e habituados - e eu não tenho nenhuma sugestão pra reverter isso.
          Talvez a aceitação disso seja um erro. Mas tenho me habituado a trocar as reflexões pelo sono, quando o sono já me é inevitável.
            Diante daqueles que gosto e que compõem os meus círculos sociais no tempo presente, até me esforço pela manutenção das relações, valorizo demais o simples prazer da companhia, porque em todas elas enxergo pessoas ausentes num futuro não tão distante. O que faço, e talvez elas também, seja tentar prolongar esse meio tempo em que podemos desfrutar uns dos outros. Às vezes brinco, dizendo que eu me casaria com todos os meus amigos pra, de repente, ter a “garantia” de que os laços perdurariam pra além dessa ou daquela fase e que, companheiros de velhice, pudéssemos falar e rir de todas elas.  
Karina Morais
07/09/2014

Your Reply

Twitter @kollim

    Siga-me no Twitter