"Gosto
dos algarismos, porque não são de meias medidas nem de metáforas.
Eles dizem as coisas pelo seu nome, às vezes um nome feio, mas não
havendo outro, não o escolhem. São sinceros, francos, ingênuos. As
letras fizeram-se para frases: o algarismo não tem frases, nem
retórica.
Assim,
por exemplo, um homem, o leitor ou eu, querendo falar do nosso país
dirá:
—
Quando
uma constituição livre pôs nas mãos de um povo o seu destino,
força é que este povo caminhe para o futuro com as bandeiras do
progresso desfraldadas. A soberania nacional reside nas Câmaras; as
Câmaras são a representação nacional. A opinião pública deste
país é o magistrado último, o supremo tribunal dos homens e das
coisas. Peço à nação que decida entre mim e o Sr. Fidélis Teles
de Meireles Queles; ela possui nas mãos o direito a todos superior a
todos os direitos.
A
isto responderá o algarismo com a maior simplicidade:
—
A
nação não sabe ler. Há 30% dos indivíduos residentes neste país
que podem ler; desses uns 9% não lêem letra de mão. 70% jazem em
profunda ignorância. Não saber ler é ignorar o Sr. Meireles
Queles: é não saber o que ele vale, o que ele pensa, o que ele
quer; nem se realmente pode querer ou pensar. 70% dos cidadãos votam
do mesmo modo que respiram: sem saber por que nem o quê. Votam como
vão à festa da Penha, – por divertimento. A constituição é
para eles uma coisa inteiramente desconhecida. Estão prontos para
tudo: uma revolução ou um golpe de Estado.
Replico
eu:
—
Mas,
Sr. Algarismo, creio que as instituições …
—
As
instituições existem, mas por e para 30% dos cidadãos. Proponho
uma reforma no estilo político. Não se deve dizer: “consultar a
nação, representantes da nação, os poderes da nação”; mas –
“consultar os 30%, representantes dos 30%, poderes dos 30%”. A
opinião pública é uma metáfora sem base: há só a opinião dos
30%. Um deputado que disser na Câmara: “Sr. Presidente, falo deste
modo porque os 30% nos ouvem…” dirá uma coisa extremamente
sensata.
E
eu não sei que se possa dizer ao algarismo, se ele falar desse modo,
porque nós não temos base segura para os nossos discursos, e ele
tem o recenseamento."
/Machado
de Assis